Psicólogos explicam o que pode provocar situações de crise na vida de atletas.

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Se uma pessoa comum enfrenta inúmeros dilemas no seu dia a dia, seja por crises familiares, profissionais ou emocionais, imagine o que se passa na cabeça de um atleta de ponta, sempre submetido a pressões por resultados. Quando uma situação ainda mais crítica é inserida nessa rotina nada tranquila, como ser pego em um exame antidoping ou sofrer constantes lesões, o acompanhamento de um psicólogo esportivo torna-se fundamental.

Tratar dos competidores está longe de ser o mesmo que lidar com pacientes convencionais. De acordo com Paulo Ribeiro, psicólogo da equipe profissional do Flamengo, o acompanhamento de atletas requer cuidado com um ponto específico. “Se o treinador falar, por exemplo, que o jogador tem deficit de atenção, você vai trabalhar esse aspecto com o paciente, enquanto que, com uma pessoa normal, você abordaria outras questões, como as afetivas e emocionais”, explica. “Com o atleta, o objetivo é melhorar o rendimento, a performance”, completa.

Nesse intuito de focar o desempenho, o próprio tratamento do atleta vai além de uma boa conversa sobre como superar as dificuldades do esporte. “Você não exige tanto de uma pessoa normal, e o trabalho é mais voltado para o aprimoramento da qualidade de vida dela. Já o atleta, muitas vezes, nem pode ser deixado calminho. Ele é submetido a pressões até nos treinos. Então, é preciso gerar problemas para ele, de maneira que chegue à hora H adaptado”, acredita Luis Orione, psicólogo de Brasília que tem entre seus pacientes o lutador de UFC Paulo Thiago, a corredora Lucélia Peres e o saltador Hugo Parisi. “Se não treinarmos nele essa pressão psicológica, ele vai chegar a uma final e perder. É um jeito totalmente diferente de se trabalhar”, observa.

A essas metodologias, a psicóloga Alessandra Dutra acrescenta que o acompanhamento deve começar com o entendimento do contexto de uma determinada crise e de como ela teve início. “Só depois, podemos planificar as estratégias para trabalhar de maneira bem efetiva”, pondera Alessandra, à frente do Esporte Clube Pinheiros e da Seleção feminina de handebol — ouro no Pan de Guadalajara.

O Correio conversou com os três profissionais e expôs situações esportivas para saber o que as provoca e como se pode saná-las. Vale lembrar que não é possível generalizar os exemplos, pois cada pessoa tem uma maneira de encarar os acontecimentos ao seu redor.

A encrenca



Acostumado a ter seu nome associado a casos de alcoolismo, festas, confusões, ausências em treinos, e até envolvimento com traficantes de drogas, Adriano é frequentemente considerado encrenqueiro. O psicólogo que acompanha perfis como o dele costuma adotar um método de indagações ao paciente. “É a hora de perguntá-lo como ele quer traçar a imagem dele para a sociedade, para ele entender que não é mais uma pessoa comum, mas uma que forma opiniões, conceitos e ideias”, detalha Paulo Ribeiro.

Para o psicólogo do Flamengo, que trabalhou com Adriano, esses casos de confusão são mais comuns entre atletas famosos — ou seja, estariam relacionados aos holofotes e à falta de orientação na carreira. Tanta visibilidade acabaria até mesmo por atrapalhar o tratamento psicológico, segundo a especialista Alessandra Dutra. “Nas outras modalidades, o profissional tem uma liberdade maior de atuação do que no futebol”, relata.

No entanto, se Adriano é considerado um encrenqueiro, Luis Orione destaca que, no caso dele, outro fator pode ter sido preponderante para esse comportamento. “Ele sempre foi uma pessoa exemplar até o dia em que o pai morreu. Mas, mesmo com todos esses problemas aparentes, ele ainda apresenta um bom rendimento”, analisa.

A amarelada

Muitos são os atletas considerados amarelões, ou seja, que têm um rendimento bom em treinos e competições, mas deixam a desejar em finais ou decisões. É o caso, por exemplo, da Seleção feminina de vôlei, que só afastou o rótulo após o ouro em Pequim-2008. Durante o Pré-Olímpico de Ginástica Artística deste mês, Jade Barbosa caiu duas vezes da trave, o último aparelho da competição que valia vaga olímpica para a equipe — o grupo acabou salvo pela veterana Daniele Hypolito. No dia seguinte, porém, faturou o ouro no salto, quando a pressão da classificação já havia passado.

A famosa amarelada indica, para os especialistas, que o atleta não lida bem com cobranças ou possíveis frustrações. “É até contraditório, porque a pressão faz parte da vida de um atleta. Mas o brasileiro lida com ela de maneira muito negativa, levando para o lado do medo, do fracasso. Quando chega a hora crucial, isso faz com que ele perca a autoconfiança”, constata Alessandra Dutra.

Segundo a profissional, em outros países, os atletas são mais bem preparados para enxergar o erro como parte da aprendizagem. Para a psicóloga — com experiência em Jogos Pan-Americanos, Olímpicos e mundiais —, a saída seria treinar a cabeça do paciente para que passe a ver a pressão do campeonato como aliada.

Segundo Paulo Ribeiro, trata-se também de uma questão de autoconhecimento. “Se o atleta se conhece psicologicamente, as chances de lidar bem com situações difíceis são muito maiores. Se não, a tendência é mesmo amarelar”, afirma. “O nível de cobrança de uma Libertadores é muito maior do que o de um torneio regional”, exemplifica o especialista.

A fama 



Principalmente no futebol, existe o estereótipo do garoto humilde que ganhou a vida — e muito dinheiro — por meio do esporte. Nesses casos, aprender a lidar com os holofotes pode ser algo bem complicado se não houver uma preparação psicológica. “A fama precisa ser administrada, e a maneira de o atleta refletir isso vai depender muito da formação que recebeu em casa”, acredita a especialista Alessandra Dutra. Para ela, o trabalho do psicólogo passa pela necessidade de traçar o contexto familiar e a instrução educacional e cultural que a pessoa teve.

“Quando a fama vem com sucesso financeiro e poder, cria-se uma fórmula muito perigosa na mão de um atleta novo”, avisa a psicóloga, alertando para os riscos de essa sensação de superioridade tomar conta da pessoa. “É como se o atleta ficasse anestesiado, com o ego inflamado”, pondera. Em 2010 e 2011, o jogador santista Neymar, por exemplo, protagonizou polêmicas como a que culminou com a demissão do técnico Dorival Júnior. No ano passado, o atacante engravidou uma menina menor de idade.

“A fama não é má, o problema acontece quando ela é levada para o lado ruim. Muitas pessoas conseguem lidar bem com ela e manter suas performances”, avalia Luis Orione. “Mas, quando o paciente começa a usá-la para gerar em si uma certa pressão por resultado ou para mostrar alguma coisa a alguém, é preciso explicar a ele que não é esse o caminho. Ele não pode usar a fama para, por exemplo, deixar de se esforçar nos treinos”, completa o profissional.


O doping 



Assim como os especialistas tentam entender por qual motivo uma pessoa se envolve no universo das drogas, os psicólogos esportivos defendem que é necessário desvendar junto ao atleta a razão de ele ter feito uso de uma substância ilícita, sobretudo se a atitude foi consciente e proposital. “Precisamos entender qual é o cenário que levou a esse comportamento de risco, para, depois, conscientizar o atleta das consequências dessa atitude”, explica Alessandra Dutra.

Outro passo é a preparação do competidor para voltar à cena, agora com a imagem prejudicada pelo doping. A especialista comenta que, nesse momento, não adianta mais apontar o erro. “É um trabalho de resgate, em que eu procuro mostrar as habilidades mais positivas que ele tem. Não adianta ficar falando o que ele fez. É preciso recuperá-lo, para que isso não ocorra mais”, defende.

Esse processo de recuperação varia muito de pessoa a pessoa. Para Paulo Ribeiro, um dos fatores é a própria experiência do atleta. “Quanto mais velha, mais experiente a pessoa costuma ser em suas reações, emoções e no controle da ansiedade. Já os mais novos demandam um acompanhamento psicológico maior em uma situação assim”, detalha.

O psicólogo Luis Orione acredita que esse pode ter sido um dos motivos para que Cesar Cielo — protagonista de um famoso caso de doping — tenha conseguido superar bem o ocorrido no ano passado. “Ele agiu como se nem tivesse se importado. Na hora da competição, foi lá e fez, focado no seu tempo. Teve um poder de superação incrível”, elogia.
As lesões 



Sabe aquele jogador do seu time que se machuca com tanta frequência que fica até difícil vê-lo atuar? Jogador do Real Madrid, Kaká, por exemplo, já passou por diversos episódios de lesões, como pubalgias e uma inflamação no menisco que o levou a uma cirurgia no joelho esquerdo. Segundo os psicólogos, é importante, nesses casos, investigar o motivo da sequência de lesões. “Pode ser excesso de treino ou mesmo esgotamento psicológico”, avalia Alessandra Dutra.

Seja qual for a origem das contusões, Paulo Ribeiro explica que a personalidade da pessoa influencia a maneira com que ela trata essas situações. “Há pessoas mais vigorosas diante de determinadas dificuldades e que não apresentam um abatimento tão grande”, afirma. “Mas, se o atleta tem baixa tolerância à frustração, a recuperação também será mais lenta, e a possibilidade de lesão vai ser maior”, argumenta o psicólogo do Flamengo.


Do que eles se queixam ?

Em um consultório psicológico, muitas opiniões são manifestadas e podem fluir livremente durante a conversa. Segundo os especialistas ouvidos pelo Correio, o mais comum em atletas de modalidades coletivas são queixas de relacionamento — sobretudo devido ao excesso de convivência —, tanto com colegas de equipe como com a comissão técnica. “São muitas pessoas juntas, com cabeças, origens e ideias diferentes. Daí, a importância de o grupo ter um acompanhamento psicológico, não basta dar a eles uma palestra”, destaca Paulo Ribeiro, psicólogo do Flamengo.

Uma modalidade de competição individual, por sua vez, costuma causar outros tipos de perturbações. Segundo o também psicólogo Luis Orione, é bastante comum ouvir atletas falando que, apesar de treinarem bem, não conseguem ter o desempenho esperado na hora crucial. “Muitas vezes, eles também atribuem o desempenho ruim a fatores externos”, acrescenta.

Outro sintoma, tanto em esportes coletivos quanto em individuais, é a sensação de que “deu branco”. “Isso é um reflexo da falta de concentração, geralmente em um momento de pressão, e de não saber lidar com a frustração”, analisa Alessandra Dutra, psicóloga da Seleção feminina de handebol.

Fonte: Super Esporte

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